Sim, eles conseguiram de novo. Mais uma vez a divulgação de um estudo científico nos faz pensar que, se a medicina é uma ciência de verdades transitórias, parece que ultimamente elas andam mais transitórias do que nunca. A ponto de ninguém mais saber no que e em quem acreditar.
Quem melhor traduziu a perplexidade do público diante da constante divulgação de contraditórias pesquisas médicas foi o escritor Luis Fernando Verissimo, na crônica Ovo, publicada há alguns anos. Por muito tempo, o ovo foi considerado um dos maiores vilões das artérias. Até que os cientistas mudaram de ideia. Quem, como Verissimo, reprimiu o prazer supremo de furar a gema de um ovo frito sobre um punhado de arroz, não foi indenizado.
Quase sempre as mensagens parecem contraditórias, mas são fruto do avanço do conhecimento. O melhor a fazer é respirar fundo, tentar entender e aceitar que a vida é feita de mudanças. Nesta semana, o colesterol voltou a nos confundir.
Durante décadas os médicos recomendaram um estilo de vida saudável (alimentação balanceada e atividade física) para elevar os níveis de HDL (o chamado colesterol bom). Quanto mais elevada essa fração de colesterol no sangue, menor seria o risco de aparecimento de doenças cardiovasculares.
Segundo essa teoria, amplamente aceita e divulgada, o HDL funcionaria como uma espécie de detergente das artérias. O impacto dele sobre o sistema cardiovascular seria tão grande a ponto de reduzir eventos como infarto e derrame. Nesta semana, uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet demonstrou que a coisa não é tão simples assim.
Os cientistas não questionam o fato de que menos doenças cardiovasculares são identificadas no grupo de pessoas com altos níveis de colesterol bom. Isso foi comprovado por sucessivos estudos. A informação importante que o novo trabalho traz é que talvez o colesterol bom não seja o responsável por essa redução de risco.
Ou seja: a pessoa pode ter bastante colesterol bom e também ter baixo risco de sofrer um problema cardiovascular. Sem, no entanto, que um fato seja a causa do outro.
O trabalho liderado por Sekar Kathiresan, diretor do departamento de medicina preventiva do Massachusetts General Hospital e geneticista do MIT, foi baseado numa importante base de dados genéticos, composta por informações de mais de 100 mil pessoas.
Cada um de nós herda uma determinada combinação genética que determina a quantidade de colesterol bom que nosso organismo é capaz de produzir. É por isso que, independentemente do estilo de vida, algumas pessoas têm uma tremenda facilidade de produzir o bom colesterol ao longo da vida.
Os cientistas esperavam confirmar que os altos níveis de HDL fossem os responsáveis diretos pela redução do risco de infarto. Para a surpresa deles, não foi o que verificaram. O risco foi o mesmo nos dois grupos: entre as pessoas com a variação genética que garante maior produção de HDL e entre as que não têm essa variação.
O que isso significa para os pacientes? “O importante aqui é entender que elevar os níveis de HDL não é garantia de redução de risco de infarto”, afirma Kathiresan.
Ou seja: tomar remédios para elevar o HDL pode não fazer qualquer diferença. Alguns estudos clínicos em andamento estão demonstrando que medicamentos criados com o único fim de elevar o colesterol bom não são eficazes na tarefa de evitar um infarto e outras doenças cardiovasculares.
Quando os pacientes de Kathiresan perguntam o que fazer para aumentar seus níveis de colesterol bom, ele responde: “Menos colesterol bom significa que seu risco de infarto é maior. Mas aumentar o HDL pode não alterar esse risco.”
A tão propalada relação de causa e efeito entre colesterol bom e redução de infarto parece não existir. Mas é importante lembrar que outros problemas graves podem estar relacionados com baixos níveis de colesterol bom. Alguns deles: obesidade, sedentarismo, tabagismo, resistência à insulina.
Que esses quatro causam infarto e derrame ninguém questiona. Pelo menos por enquanto... O que podemos fazer, aqui do lado de fora dos laboratórios, é assumir o compromisso diário de comer melhor, espantar a preguiça e se respeitar antes de tudo.
(Cristiane Segatto, na revista Época)
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