terça-feira, 12 de março de 2013

O Cristo de minha infância.

PADRES ESPANÕLES : O COLÉGIO. ( trecho do meu livro Moedor, hoje que estamos falando tanto do papa e do catolicismo)

Mas voltando ao assunto Colégio. Alem da Caixa para alunos pobres, tínhamos igualmente que contribuir para salvar os pagãos do inferno. Era a campanha de óbolos destinado às Missões. Cada aluno ganhava umas fichinhas amarelas de papelão com números impressos em quadradinhos. A idéia era sair andando pelas ruas, casas, que nem mendigo, pedindo às pessoas “...dá um óbolo para as Missões?” Cada furinho que se fazia num quadradinho correspondia a uma determinada quantia fixa. Os meninos ricos orgulhosamente entregavam aos padres suas cartelas novinhas, pois seus pais furavam todos os números de uma vez, entregando ao Colégio o total devido. Eu não, eu tinha que batalhar. Certo dia, conseguira finalmente completar minhas cartelas, que estavam mulambentas e desbeiçadas de tanto freqüentarem meus bolsos. Devidamente completas, felizmente, com todos os furinhos, bom mendigo que fui. E com o total das moedas correspondentes, contadinhas. Tocou a campainha do recreio. Fomos lá fora para o pátio e vi o padre encarregado das Missões. É preciso explicar que se você entregasse tudo direito, ganhava um santinho em cores mostrando a figura de um padre dando hóstia a um índio pelado e ajoelhado na frente dele. Meio escandaloso. Bom, eu ia ganhar um índio. Fui até o padre. E comecei tirar as moedas dos bolsos, que estavam cheios delas. Um bolso, dois bolsos, desculpe padre, também tem no bolso da camisa... E ele, enfurecido, impaciente, deu uma bofetada em minha mão, ainda cheia de moedinhas. “Leva essa porcaria embora e me traz o dinheiro em notas, moleque”. Virou as costas e saiu andando, passos duros, a batina negra se movendo, ondulada. As moedas se esparramaram. O chão não era de cimento, mas de areia do campinho de futebol. E as moedas, muitas delas, se enterraram por ali. Esbaforido, me abaixei humilhado pegando cada moeda espalhada e botando de volta no bolso. Todo mundo olhando. Comecei a chorar e isso só me prejudicou. Porque as lágrimas atrapalhavam ver onde as moedinhas tinham caído. Outro padre, esse encarregado da Disciplina, ficou ali do lado, tudo olhando, sério, a boca selada em lábios finos. Esse da Disciplina era também um padre severo que, por vício profissional, nunca sorria. Ele tinha um chicote em seu olhar. Chegava-se perto de você e olhava. Olhos brilhantes, escuros, de oficial nazista de gibi. Aproximava-se até dois centímetros do seu rosto e falava dentro do teu ouvido, aquela pronúncia carregada de espanhol. Voz baixa, monocórdica, desinteressante, supinamente ameaçadora. Dava então para sentir na alma o chicote estalando. Doía sempre. Éramos trânsfugas, todos nós naquele colégio. Fugíamos dos padres, fugíamos das aulas, fugíamos das missas. Um trailer de nossas futuras vidas, das quais também fugiríamos, escondendo nossa crueldade com os disfarces da urbanidade, da negação, da covardia. Como bons católicos. Penso agora que esses padres me trouxeram uma benção. Porque me ajudaram a melhor compreender, mais tarde, a história da inquisição, as cruzadas, o papado de mumificências, o cinismo das indulgências, a luxúria e depravação dos prelados na relação promíscua com os meninos do catecismo. Pedófilos calculados, sem remorsos, a piedade cristã não lhe dizia respeito. A Igreja usando a Cruz para o poder transitório, na busca de recompensas e prazeres terrenos, do poder e da sexualidade disfarçada. Agradeço. Os padres tinham feito um bom trabalho comigo, eu agora me transformara num herege, num ateu – porém com Cristo no coração. Que Cristo? Era o Cristo pintado num quadro de moldura dourada, que ficava o ano todo guardado numa espécie de vitrine, num altar lateral da igreja de meu bairro, só saindo em procissão nos Dias Santos. A pintura mostrava-O sendo descido da Cruz e abraçado ternamente por Maria Madalena, rodeado de mulheres implorantes, o corpo Dele marcado por feridas e ainda com a coroa de espinhos. O Filho de Deus tinha o olhar esvaziado, tão grande a traição dos homens por quem se havia sacrificado. Nuvens inscritas no céu de nanquim podiam ser vistas correndo os céus, pretejadas pelo tamanho do pecado cometido contra o Salvador. O padre da procissão, nos Dias Santos, levava o quadro nos braços, empunhando-o na direção dos fieis nas calçadas, que então se persignavam em respeito, baixando suas cabeças submissas aos Mistérios de Deus. As carolas de véus de filó carregavam velas envolvidas em papel de seda vermelho e violeta-paixão, cantando: “Quere-mos Deus que é no-osso Reeeei, quere-mos De-us que é nosso Paaaai...”. Cheiro forte de incenso, o turíbulo sacudido com brasa e esfumaçando, perdoai, ó Virgem. O coroinha adornado com batina branca e bordados dourados, ia na frente da procissão com uma bandeira, cara falsamente sizuda de futuro padre, abrindo caminho enquanto outro batia uma castanhola de ferro na madeira, avisos do santo caminho do Senhor. É o Cristo da minha infância. E eu ainda sou uma criança católica.

Enio Mainardi

ENIO MAINARDI
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Sem palavras.

Lá no fim do coração


‎....quem sabe lá, no fim do coração, você é só pra mim a solidão?

Quando eu te ver

Não sei se vou me conhecer

O que vai ser?


Por quê decerto, nem sei mais


Por onde anda a minha paz.



RICARDO GAMEIRO

Os calos.

os-calos

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Simples seria.

Acenos




Tava conversando com o mar agora pouco, caminhada de uma hora. Lá no fim do horizonte, navios indo pro mundo. Tive ímpetos de dar tchau pra quem tava navegando, mas me senti meio ridículo. Eis que na areia, sentido contrário, um senhorzinho que fazia o mesmo que eu, abanou para os navios. Esperei passar por ele e acenei com os dois braços. Daí em diante, fui acenando, até voltar pro meu mundo.


Kiko Gemael

(Meu amigo, ótimo jornalista e companheiro dos bons tempos do Diário do Paraná)

Quem sou?

Foto: Postado por: Liara Raisa Schiavo

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