Assinava suas profecias como Nostradamus, conhecedor da fraqueza humana por leviandades como qualquer coisa com o título em latim.
Na verdade, seu nome era Michel de Nostredame e nascera na Provença, França, logo no início do século 16. Boa família, bom ensino.
Foi apotecário, médico e alquimista
Na Renascença, menos de três ocupações e você era queimado vivo por ignorância e vagabundagem.
Ainda como um Michel, desses que rondam até hoje o Quartier Latin, em Paris, foi o primeirão a descrever o ácido benzoico, que não serve para pô nenhuma, mas, frize-se, estamos na Renascença e tudo era uma correria danada para inventar, descobrir ou fazer coisas. Data daí a invenção do elixir paregórico.
Com menos de 50 anos, em 1555, lança seu livro (como hoje, sem livro você não é nada), com o título, claro, em latim, “O Alquimista”, no qual não previu sequer o futuro nascimento de um grande escritor acadêmico brasileiro no século 20.
O volume lançou-o no mercado editorial. Vendeu direitinho e data daí a pequena fortuna acumulada com seus direitos autorais (uma tiragem de 3 mil exemplares era considerada uma boa).
Michel, além de passar para o latim o sobrenome, pois essa era a prática em moda, passou a se interessar por ocultismos, com ênfase na previsão do futuro.
Passou 10 anos trabalhando no livro que imortalizaria seu nome (ou seja, de um Michel qualquer passaria a ser conhecido como Nostradamus, nome de efeito bem mais comercial), a célebre obra até hoje ainda por ser decifrada em sua totalidade, não que tenha tido parte alguma revelada.
Deu ao tomo o nome de (e traduzo) “As Profecias”, pois eram exatamente isso: cantar as pedras futuras em linguagem cifrada e, para dar molho, em mil quadras, ou “centúrias”, de decassílabos.
Muitos renascentistas de baixo nível intelectual só o chamavam de “o capeta” e tudo fizeram para que o pobre Nostradamus fosse queimado vivo, outra prática renascentista que, felizmente, não chegou até nós.
Foi um sucessão, um chuá. Livro mais lido do que o volume xará ainda por ser posto em letra de forma no século 20. Isso porque Nostradamus tomou o sensato cuidado de ser o mais hermético possível, tornando cada uma de suas mil quadras impenetráveis como Belinha (1969-1991), a irmã mais moça de Sérgio Damasceno (1962-2002), de Uberlândia, MG.
Esse o segredo de Nostradamus: tornar cada “profecia” (e tome aspas) o mais intrincada possível.
Nostradamus, tal qual um Michel qualquer de esquina, foi incapaz sequer de prever que, ainda muito moço, sofreria de epilpesia, gota e insuficiência renal, nenhum dos males que foi capaz de prever, profetizar ou sequer diagnosticar em seu tomo clássico.
Abaixo, sem rimar ou metrificar (isso é coisa de bichona), depois de muitos estudos, transcrevo o que consegui apurar de umas poucas quadras que consegui desobscurecer no sentido de tornar o ano entrante (vai ser botante também, hem, cuidado!) mais claro.
Quadra 23 – “O grande Rei, de azul vestido, vai entrar pelo cano qualquer dia desses, cavalgando sete mulas e um bode preto invocado como o quê.”
Quadra 44 – “Quantas vezes terei de repetir: Maria Clotilde, esposa do ferreiro Manuel Parreira, está dando para o farmacêutico Elias desde 1975. Já tem 7 anos. Isso é uma pouca vergonha e um desrespeito ao meu trabalho como profeta renascentista profissional. Parem com isso, gente!”
Quadra 51 – “Obama, Obama, te cuida rapaz. Esse pessoal que te aconselha em coisas relativas a dinheiro quer ver tua caveira. Do jeito que vais não conseguirás se reeleger nem como lanterninha de poeira em Dayton, Ohio.”
Quadra 63 – “Quem com ferro fere com ferro será ferido.”
Quadra 73 – “Por trás da montanha o sol nascerá de uma flor distribuindo seu doce mel entre as gentes e os animais selvagens. E seu nome será Dorinha. Celular 020 78689632. Atende em casa. Preços módicos.”
Quadra 79 – “O escudo lampejará entre farândulas e sua onipotência quedará invicta até que o cavaleiro a que chamam de “O escudo tricolor” resolva dar uma solução no espinhoso problema. Mais uma criação do inesgotável Stan Lee.”
Quadra 93 – “O que é o que é que começa com M tem R no meio e não é Maria?”
Outras quadras serão examinadas mais de perto no decorrer de 2012.
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IVAN LESSA
Jornalista e colunista da BBC Brasil.